Drogas Leves, Consequências Pesadas

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Drogas Leves, Consequências Pesadas

“Aquilo a que muitos chamam de Drogas Leves, no meu caso, trouxe-me consequências muito pesadas.”

Chamo-me António (nome fictício), tenho 35 anos e decidi partilhar alguns pontos da minha vida na esperança que muitos jovens não sigam as minhas pisadas. O objectivo pelo qual o faço serve apenas para exemplificar, através da minha vivência, aquilo a que muitos chamam de Drogas Leves, no meu caso, trouxe-me consequências muito pesadas. Pedi aos técnicos que me acompanham na Clinica do Outeiro para corrigirem o texto e ajudarem a divulgar esta mensagem, escrita com sofrimento, com angústia e muitas lágrimas.

Nasci numa família dita normal, com valores morais e regras bem definidas, sempre fui, embora rebelde, uma criança saudável e com muitos amigos. Vi, ao longo da minha adolescência, alguns amigos e conhecidos a fumar uns charros, no entanto, naquela altura isso nunca me atraiu, apesar da insistência de alguns. Com 18 anos comecei a trabalhar numa empresa multinacional alemã, a operar na zona norte do país. Sempre fui trabalhador, aproveitava todas as horas extras possíveis e por isso, fruto do meu trabalho, ganhava bem e tinha uma boa vida.

Com 21 anos casei, já tinha carro e comprei casa. A minha ex-mulher estava grávida do meu filho, tudo me corria bem, era feliz, tinha muitos amigos e uma vida social activa. Sempre adorei futebol, principalmente ver os jogos do meu clube do coração e era uma presença assídua em todos os encontros. Foi neste contexto que um dia, um amigo que me acompanhava me ofereceu um charro para fumar. Num primeiro momento disse-lhe que não, ele insistiu, disse-me que ia ficar “zen”, voltei a dizer que não, ele acendeu um para ele, voltou a insistir, acabei por aceitar e dar uma passa. No fim do jogo um charro. Foi nesse dia, com 22 anos, que começou a minha autodestruição. Sempre que ia ver um jogo do meu clube fumava um charro. O consumo desta droga começou de forma ocasional e esporádica, passou a regular, depois a frequente, a diária e por fim já consumia várias vezes ao dia. Com 23 anos, novamente durante um jogo de futebol, fumei um pouco demais, para mim 3 charros era demais. Durante o jogo, senti-me mal, comecei a ficar com os meus sentidos muito apurados, o som era ensurdecedor, tinha a sensação que toda a gente olhava para mim e queriam fazer-me mal. Já não consegui trazer o carro, quando cheguei a casa fechei-me no quarto durante dois dias, não queria falar nem ver ninguém, apenas rezava e queria que aquele mau estar desaparecesse. Com o tempo comecei a sentir um cheiro permanente a podre, um cheiro que só eu sentia. A minha ex-mulher dizia que eu estava a ficar louco (ela não sabia o que se passava, só soube mais tarde). Sempre que fumava uns charros tinha a sensação que o cheiro a podre aliviava ou desaparecia, por isso, comecei a fumar mais, e cada vez mais. Lembro-me que, com o passar do tempo o cheiro a podre começou a ser acompanhado por vultos de familiares que já tinham falecido. Estava cheio de medo, por vezes não queria dormir, outras vezes não conseguia, recusava-me a sair do quarto, passava os dias e as noites a rezar e a acender velas pelos meus familiares, queria que eles não voltassem, que me deixassem em paz, mas isso não acontecia, até que, um dia, chegou a minha casa a policia e o INEM, fui internado compulsivamente.

Nessa altura diziam que tinha uma psicose tóxica, que tinha de parar de fumar haxixe, mas não compreendia a necessidade, afinal, como os meus “amigos” diziam que era uma Droga Leve, era natural. Pior era o tabaco que só tinha químicos. Continuei a fumar haxixe, 5 a 6 charros por dia. Foi uma questão de tempo até que o cheiro a podre e os mortos voltaram a surgir, voltavam a não me deixar dormir, conseguia dormir em média 8 horas a cada 3 dias, voltei a fechar-me no quarto, apenas iluminado pelas velas que acendia. Em 2 anos tive cerca de 30 tentativas de suicídio e outros tantos internamentos em Psiquiatria. Num desses internamentos o Médico Psiquiatra que me acompanhava disse-me que já não tinha uma psicose tóxica, mas sim Esquizofrenia Paranóide, uma doença crónica, que não tem cura, mas sim tratamento. Que ia piorar com o tempo se não parasse de fumar canábis.

Hoje, olho para traz e vejo que esse Psiquiatra tinha razão, afinal a canábis (a única droga que fumei ao longo da minha vida), aquela substância que tanta gente apelida de Droga Leve, que é natural e não faz mal nenhum, trouxe-me elevadas consequências. Há 15 anos atrás tinha, uma família, carro, casa, um ordenado de 1.200,00€ e muitos amigos. Hoje, estou internado na Clínica do Outeiro, a tentar refazer a minha vida, estou divorciado, perdi a minha família, o meu carro, a minha casa e o meu emprego… Estou sozinho. Resumindo, hoje não tenho nada, perdi tudo, vivo de apoios sociais e mal tenho dinheiro para um café e uns cigarros. Isto foi o que esta Droga Leve me deu, uma mão cheia de consequências, por sinal bem pesadas. Desejava há 13 anos atrás ter dito que não, nunca ter experimentado, ter sido avisado.

Tento refazer a minha vida, reconquistar o que perdi, sei que não vai ser fácil, resta-me a esperança.

António (Nome Fictício)

02 de Fevereiro de 2016